terça-feira, 20 de setembro de 2016

Romantismo em Portugal - Almeida Garret - Viagens na Minha Terra

ALMEIDA GARRETT – VIAGENS NA MINHA TERRA

Almeida Garret, ou seja, João Leitão da Silva nasceu no Porto, em 4 de Fevereiro de 1799; morreu em Lisboa em 9 de Dezembro de 1854. Em 1818, começa a usar o apelido Almeida Garrett, assim como toda a sua família. Garrett seria o apelido da sua avó paterna, casado com Luísa Midosi, uma jovem de apenas catorze anos.

CRONOLOGIA DE ALMEIDA GARRETT
1799 – Almeida Garrett nasce no Porto.
1809 – Parte para a ilha Terceira por causa das invasões francesas. Aí recebe de um tio, bispo de Angra do Heroísmo, uma educação religiosa e clássica.
1816 – Matricula-se no curso de Direito em Coimbra. Adere às ideias liberais e começa a escrever algumas peças de teatro.
1820 – Escreve a tragédia Catão, representada em Lisboa no ano seguinte.
1821 – Já formado, casa com Luísa Midosi e publica o Retrato de Vénus, que lhe valeu um processo judicial e um julgamento de que foi absolvido.
1823 – Com a Vila-Francada, exila-se em Inglaterra, onde contacta com a literatura romântica (Byron e Walter Scott).
1824 – Parte para o Havre, em França, como correspondente.
1825 – Publica em Paris, Camões.
1826 – Publica ainda em Paris D. Branca. Regressa a Portugal após a outorga da Carta Constitucional, dedicando-se ao jornalismo político.
1828 – Exila-se de novo em Inglaterra devido à aclamação de D. Miguel.
1830 – Inicia a compilação do Romanceiro.
1832 – Integra-se no exército liberal de D. Pedro IV, desembarca no Mindelo e participa no cerco do Porto, escrevendo aí a primeira pare do Arco de Santana.
1834 – Após a guerra civil, Almeida Garrett é nomeado cônsul-geral em Bruxelas. Estuda a língua e a literatura alemãs (Herder, Schiller e Goethe).
1836 – Regressa a Portugal e separa-se de Luísa Midosi, que em Bruxelas o teria traído. Passos Manuel encarrega-o de reorganizar o teatro nacional, nomeando-o inspetor dos teatros.
1837 – Perde o cargo de inspetor dos teatros por demissão de Passos Manuel. Apaixona-se por Adelaide Deville, que morrerá em 1841 e de quem terá uma filha, Maria Adelaide.
1838 – Publica Um Auto de Gil Vicente.
1841 – Publica O Alfageme de Santarém.
1842 – Costa Cabral instaura um governo de ditadura, contra o qual Garrett luta na oposição parlamentar.
1843 – Escreve o drama Frei Luís de Sousa que será publicado no ano seguinte. Começa também a escrever o romance Viagens na Minha Terra, que publica em folhetins na Revista Universal Lisbonense.
1845 – Publica o romance Arco de Santana e a colectânea de poemas Flores sem Fruto. Inicia-se a paixão por Rosa Montufar, a Viscondessa da Luz.
1846 – É publicado em dois volumes o romance Viagens na Minha Terra.
1850 – É representado no Teatro Nacional o drama Frei Luís de Sousa.
1851 – É nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros e recebe o título de Visconde e Par do reino. Conclui a compilação do Romanceiro.
1853 – Publica Folhas Caídas, colectânea poética que causou escândalo na época.
1854 – Almeida Garrett morre a 9 de Dezembro em Lisboa.

Em 1816, tendo regressado a Portugal, inscreveu-se na Universidade, na Faculdade de Leis, sendo aí que entrou em contacto com os ideais liberais.

CARACTERÍSTICAS DO ROMANTISMO - O Romantismo proclama a liberdade de criação e de expressão.

São características do Romantismo:
• Nacionalismo
• Historicismo
• Medievalismo
• Liberdade de criação e de expressão
• Tradições populares
• Individualismo, egocentrismo
• Pessimismo
• Escapismo
• Crítica social

Essas são características predominantes do movimento, mas suas tendências foram diversas.
Veja algumas tendências e seus principais temas:

* Nacionalismo, historicismo e medievalismo:

Exaltação dos valores e os heróis nacionais, ambientando seu passado histórico, principalmente o período medieval. Essas três primeiras prevalecem sobre as demais.

* Valorização das fontes populares – o folclore:

Os autores buscavam inspiração nas narrativas orais e nas canções populares, manifestação do nacionalismo romântico.

* Confessionalismo

Os sentimentos pessoais do autor em dado momento de sua vida são expressos nas obras.

* Pessimismo

Em se falando de Almeida Garret, a melancolia do poeta inglês Lord Byron se faz presente em todas as literaturas, portanto há a presença do individualismo e do egocentrismo que adquirem traços doentios de adaptação.
O “mal do século” ou tédio de viver conduz:
- ambiente exótico ou passado misterioso.
- narrativas fantásticas (envolvendo o sobrenatural)
- morte (como última solução)

* Crítica Social

O Romantismo pode assumir um caráter combativo de oposição e crítica social, observamos sua ocorrência na sua última fase.


As gerações românticas


Há uma nítida evolução através de três gerações de autores, cada geração é marcada por certos traços e temas.

*Primeira geração

Os primeiros autores conservavam características clássicas (apego às regras da produção literária).
- Alexandre Herculano – Eurico, o Presbítero – O Bobo
- Almeida Garret – 1825 Poema “Camões” - 1846 - “Viagens na Minha Terra”
- Antonio Feliciano de Castilho

Principais temas:

Em Portugal
- nacionalismo
- romance histórico
- medievalismo

*Segunda geração

Período do Ultrarromantismo: exagero pelo subjetivismo e emocionalismo (o tédio, devaneio, sonho, desejo da morte estão sempre presentes).
- Camilo Castelo Branco – Amor de perdição - Amor de Salvação - A queda dum anjo – Coração, Cabeça, Estômago.
- Soares Passos – O Firmamento, As Canções, A Fonte dos Amores, entre outros.

*Terceira geração

Essa fase antecipa características da Escola Realista, que substituirá o Romantismo. O subjetivismo e o emocionalismo cederão lugar para uma literatura de tom exaltado, baseada nos grandes debates sociais e políticos da época. Transição para o Realismo.
- Júlio Diniz – As pupilas do Senhor Reitor – A morgadinha dos canaviais
- João de Deus – A Caridade, A Cigarra e a Formiga, Beatriz, entre outras.



Viagens na Minha Terra.

A obra foi publicada originalmente em folhetins na Revista Universal Lisbonense entre 1845 e 1846, sendo editada em livro apenas em 1846. Tida como obra única no Romantismo português por sua estrutura e linguagem inovadoras, Viagens na minha terra é um marco para a moderna prosa portuguesa e um importante documento de referência para entender a decadência do império português. 
O autor narrador faz citações constantes de escritores que conheceu estudando suas obras, principalmente nos períodos em que esteve exilado de Portugal. A obra é composta por dois eixos narrativos bem distintos. No primeiro, o narrador conta suas impressões de viagens, intercalando citações literárias, filosóficas e históricas das mais diversas, com um tom fortemente subjetivo e repleto de digressões e intertextualidades. Dentre as referências literárias, podemos levantar citações a Willian Shakespeare, Luis de Camões, Miguel de Cervantes, Johann Goethe e Homero. Já dentre as citações históricas e filosóficas, temos Napoleão Bonaparte, D. Fernando, Bacon e outros.
Já o segundo eixo, que é interposto no meio dos relatos de viagem, conta o drama amoroso que envolve cinco personagens. Essa narrativa amorosa tem como pano de fundo as lutas entre liberais e miguelistas (1830 a 1834).  
Ressalta que sua história não será um romance, com aventuras, incidentes e situações raras, mas apenas uma singela história. 
Defende a paixão como uma qualidade, já que ela asseguraria demais virtudes, como generosidade e benevolência. Do contrário, sem ter a quem amar, uma pessoa ou viveria para o mal, ou para nada. 
Durante os relatos da viagem, o autor-narrador faz uma série de digressões filosóficas, reflexões sobre fatos históricos e crítica literária sobre diversos autores, tanto clássicos quanto modernos, e suas obras.
Dentre estes comentários, podemos citar o mais famoso deles: “Eu não sou romanesco. Romântico, Deus me livre de o ser - ao menos, o que na algaravia de hoje se entende por essa palavra”. Garrett, embora pertencente ao movimento romancista de Portugal, deixa claro nessa passagem uma crítica ao Romantismo então vigente. Uma crítica dirigida a um romantismo “fabricado” por escritores menores que buscavam modelo numa literatura fácil para agradar ao público, com interpretações abusivas e uma vulgarização do que seria o verdadeiro movimento modernista. 

Uma outra citação muito atual:

“Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? — Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas(5) que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Robert Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis. “

Contextualização Histórica:

Aqui cabe uma contextualização histórica importantíssima, que não aparece explicitamente no texto: há como pano de fundo a Guerra Civil Portuguesa, quando houve uma disputa pelo trono português e confrontaram-se os absolutistas, ou miguelistas, representados no romance pelo Frei Dinis, e os liberais, ou pedristas, aqui representados pelo neto de Irmã Francisca, que em breve entrará na história. 
“Formou deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo sociedade, e o pôs num inferno de tolices.”

Foco narrativo
A obra é narrada em primeira pessoa e o narrador é o que conhecemos por “narrador-protagonista”. Ou seja, a história é contada por um dos personagens principais (no caso, o autor-narrador que viaja pelo país) em primeira pessoa. Dessa forma, a história tem um ponto de vista fixo, centrado nessa personagem. Além disso, esse narrador-protagonista está quase inteiramente confinado a seus pensamentos, sentimentos e percepções. 

O que sabemos a respeito das outras personagens (incluindo seus pensamentos e sentimentos), ou nos é passado através dela mesma, ou através de outra personagem que conta algo ao narrador (em Viagens temos Frei Dinis contando o drama de Carlos e Joaninha). Essas informações podem ser, ainda, inferências feitas pelo narrador-protagonista.

A viagem como busca do autoconhecimento
O tema das viagens sempre foi parte integrante da literatura portuguesa, desde o século XIV quando os navegadores portugueses registravam suas histórias de navegação. Eles produziam uma literatura que não ficava restrita aos acontecimentos da viagem, mas que continha também os motivos que os levavam a se deslocar de um local a outro e as descrições em forma narrativa sobre as terras e os homens que encontravam. Assim, pode-se dizer, que a literatura de viagem não fica restrita ao desejo de conquistar novos territórios, mas, através do contato com outros povos e culturas, pensar de uma nova maneira o seu próprio eu.

Almeida Garrett faz parte dessa tradição literária ao escrever Viagens na minha terra. Nessa novela, a viagem não serve apenas para entrelaçar os fatos ali tratados, mas serve em si como elemento temático fundamental. A viagem como tema da obra está assinalada desde o primeiro capítulo, onde o autor-narrador deixa claro que vai “nada menos que a Santarém”, tornando sua novela uma crônica-ensaio. Através da viagem pelo interior do próprio país do autor-narrador, busca-se a fonte do que é ser português em um momento de drásticas mudanças no país.

O pano de fundo em Viagens na minha terra é a Revolução Liberal. Grosso modo, as ideias liberais surgiram como oposição ao monarquismo, ao mercantilismo e ao domínio religioso. Portugal, na época um país monarquista com fortes raízes católicas, via qualquer ideia liberalista como antinacional.

O país já estava enfrentando diversas crises (as invasões de Napoleão e crise do colonialismo no Brasil) e o embate entre Miguelistas (favoráveis ao monarquismo absolutista de então) e Liberais acabou por gerar uma guerra civil, em 1830. O embate terminou com uma vitória dos Liberais e a restauração da monarquia constitucional.

Almeida Garrett, que sempre lutou pelos ideais liberais, mantém nas Viagens este propósito, através da narração de fatos do presente e do passado, sempre denegrindo àquele em favor do outro. Para tanto, brinca-se também com a questão do verossímil, criando-se a ilusão do verdadeiro através do uso de um tom calculadamente coloquial e uma aproximação com o quotidiano.

Dessa forma, as digressões do narrador sobre os mais diversos temas, da literatura à política, servem para demarcar ideologicamente a obra. O discurso do autor-narrador revela o caótico estado em que se encontra Portugal, a corrupção da sociedade, a aristocracia decadente e o modelo familiar burguês corrompido por atitudes individualistas. Assim, pode-se dizer que para o narrador a crise moral coletiva tem origem na moral individual.

A personagem protagonista Carlos, aparece como símbolo deste embate entre tradição (monarquismo) e modernidade (ideias liberais). Carlos não consegue se decidir entre Joaninha (que representa o velho Portugal) e Georgina (representante do novo Portugal). Por fim, o protagonista acaba por desistir de ambas, perdendo sua identidade e sua moral. Carlos termina como uma representação de uma sociedade alienada e degradante.

Assim, a preocupação de Garrett em Viagens na minha terra é tentar despertar na nação portuguesa a consciência da situação em que o país se encontrava e que direção pode ser tomada para tentar mudar o rumo decadente que Portugal estava tomando. Porém, o próprio autor-narrador não vê perspectivas de melhora, pois a imagem que o homem português tem de si mesmo não é positiva. Dessa forma, apesar de conseguir enxergar um caminho para a recuperação de Portugal, Garrett termina a obra com um tom pessimista.

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